Postado em: 10/01/2001 às 08:00
Autor: Marcelo Eduardo Vanalli
Com a feição mais aproximada da que conhecemos hoje, o júri originou-se na Inglaterra, no período sucessivo ao Concílio de Latrão. Remonta entretanto, ao período áureo do direito romano com os seus judices juratis. Entre os gregos era formado dos diskatas e entre os germanos pelos centeni comites.
De início, revelava forte conotação mística e religiosa, tanto que era formado de doze jurados, número que corresponde ao dos doze apóstolos, seguidores do Cristo nos seus dias da Galiléia.
No Brasil, a instituição do júri data de 18 de junho de 1822 e se encarregava do julgamento dos crimes de imprensa. Em 1824, inserido na Constituição do Império, passou a integrar o Poder Judiciário. Pelo Código de Processo Criminal de 1832 e pela reforma de 1871, foi alterado em sua estrutura e competência. Mantido na Constituição de 1891 e nas sucessivas, até 1937, quando a Carta foi omissa sobre ele, razão que a fez vir a ser corrigida por um Decreto-Lei, o de nº 167 de 5 de janeiro de 1938, o qual delimitava a soberania dos veredictos. No capítulo dos direitos e garantias individuais, sua soberania voltou a ser assegurada, seja na Constituição de 1946, como na de 1967.
Permaneceu na Constituição de 1988 no título que assegura os nossos Direitos e Garantias Fundamentais, art. 5o, inciso XXXVIII: é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
A lei que organiza o júri é o Código de Processo Penal e estabelece como competência privativa do Tribunal do Júri, o julgamento dos crimes, tentados ou consumados, contra a vida, tais sejam: homicídio (matar alguém), infanticídio (mãe que mata o filho durante ou logo após o parto), aborto ilegal e induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. A conduta, porém, tem que ter sido praticada de forma dolosa, isto é, quando o agente possui a vontade de alcançar aquele resultado, ou ainda assume o risco em produzi-lo.
Assim, quando acontece um dos delitos acima citados a polícia adotará as providências preliminares, dirigindo-se ao local, providenciando análise das diversas circunstâncias e motivações do delito, identificando o autor e testemunhas que possam informar sobre o fato, etc.
Tais diligências compõem o chamado inquérito policial de competência do Delegado de Polícia, hoje, bacharéis em direito e com preparação específica ao desempenho do mister judiciário. Quando o inquérito é concluído o autor do delito é indiciado e os autos são remetidos ao Juiz de Direito e aí se inicia o processo.
O Juiz, recebendo a denúncia proposta pelo Promotor de Justiça, determina a citação do denunciado e seu comparecimento à sua presença para ser interrogado. Nesta oportunidade, ele toma conhecimento formal dos termos da acusação que lhe é feita, apresenta a própria versão para o fato ou de sua conduta, nomeia o Advogado que vai defendê-lo. Caso seja pobre no sentido da lei ser-lhe-á nomeado um defensor. É um grande momento do processo, é o momento em que o acusado pode falar, depois, estará limitado a ouvir. Tanta é sua importância que só deve ser feito de forma presencial, quando, além das palavras, o Juiz pode analisar o interrogando lendo no seu ânimo, deduzindo pelo como se comporta.
Em seguida, o advogado, respaldando os termos do interrogatório, apresenta defesa prévia, geralmente discordando dos termos da denúncia e apresenta o rol de testemunhas ou requer outras diligências.
São ouvidas as testemunhas arroladas pelo Ministério Público, em seguida, as que a defesa apresentou. Finda esta fase, são feitas as alegações finais pelas partes e mediante o que tiver concluído, a vista do que tiver sido provado, o Juiz proferirá uma decisão a qual poderá ser: a) de impronúncia, onde o Juiz entende que não estão reunidos provas suficientes da autoria ou da existência do crime; b) de absolvição sumária, onde o magistrado, de plano, verifica que o réu tenha agido com uma excludente da ilicitude do delito, como por exemplo, a legítima defesa; c) de desclassificação do delito, onde o juiz conclui que o delito praticado pelo réu não se trata daqueles de competência do júri, como por exemplo lesão corporal ao invés de tentativa de homicídio; d) de pronuncia, a qual o julgador entende presentes provas suficientes da existência do crime e da autoria, e assim, encaminha o processo para julgamento perante o Tribunal Popular do Júri.
Em toda Comarca, anualmente, são alistados cidadãos entre 21 (vinte e um) a 60 (sessenta) anos de idade, pessoas indicadas pelas diferentes repartições em que trabalham e que vão estar a serviço do júri, o que é obrigatório. O exercício efetivo da função de jurado constitui serviço público relevante, estabelece presunção de idoneidade moral, assegura prisão especial, em caso de crime comum, bem como preferência, em igualdade de condições, nas concorrências públicas.
Os jurados representam a sociedade da qual fazem parte. Quando investidos da função, decidem em nome dos demais. É portanto, o júri, expressão eminentemente democrática, intérprete da vontade do povo, competindo aos que o integram agir de forma independente e magnânima. Por isto, conta com a votação secreta e seu veredicto é soberano.
Os sete integrantes do conselho de sentença, sorteados entre os vinte um convocados para cada sessão, são Juízes de fato. Podem requerer diligências, mais que simplesmente ouvir respostas formuladas pelo Juiz, pela defesa ou pelo Ministério Público, inquirir as testemunhas, valerem-se de quaisquer recursos que os conduzam a um juízo preciso a respeito da decisão a ser tomada. Assim, formam a própria convicção e mediante resposta por um NÃO ou um SIM, cédula que vão depositando numa pequena urna, após cada uma das questões que lhe são propostas, decidem pela inocência ou pela culpa de quem devem julgar. Ressalte-se que os jurados não podem se comunicar entre si. A decisão deve ser individual, ao contrário do que vemos nos filmes americanos, onde o conselho de sentença se reúne e analisa as provas até chegar ao veredicto
É aos jurados que se dirigem o Ministério Público e a defesa, cada qual apresentando sua versão da conduta em julgamento. Em número de sete, jamais correm o risco de ocorrência de um empate na votação, sendo que a maioria vence. O Juiz de Direito que ali está, preside a sessão, vela pela ordem e pela normalidade dos atos, mas quando ao final, vai prolatar a sentença, estará condicionado ao que lhe tiver sido prescrito pelos jurados, nem mais, nem menos.
Júri popular é, portanto, julgamento de alguém do povo, pelo próprio povo.
Para finalizar fica uma questão: é justo sete pessoas do povo, leigas em direito, julgarem crimes bárbaros contra a vida e os juizes, conhecedores exímios da Lei, proibidos de julgarem com o coração, serem competentes para decidirem os pequenos delitos?
Marcelo Eduardo Vanalli
Janeiro/2001
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