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Intervenções Médicas por Meio Intravenoso e Religião

Intervenções Médicas por Meio Intravenoso e Religião

Postado em: 05/07/1998 às 12:00

Autor: Marcelo Eduardo Vanalli

Ontem, através do Grande Jornal Falado da Manhã, foi veiculado que uma mãe — de apenas 15 anos — teria proibido seu filho de receber medicação por meio intravenoso, por questões religiosas. Depois de devidamente investigado o caso, como corriqueiramente e profissionalmente acontece por àquele programa, descobriu-se que o caso não era bem esse.

Contudo, tal discussão ocasionada dentro daquele programa de rádio, sendo, inclusive sabiamente esmiuçada pelo jornalista José Carlos Madalena, merece alguns comentários no âmbito jurídico.

Vários são os casos conhecidos de pessoas que perdem inutilmente a vida, pois recusam o recebimento de medicamentos intravenosos, e mais corriqueiramente, recusam-se receber a transfusões de sangue, por pertencerem a determinada seita religiosa, que proíbe tal tipo de intervenção médica. O mais grave, é que a maioria dos casos o paciente, em sério estado de saúde, ou quando se trata de criança, sequer pode opinar, ficando suas vidas, nas mãos de seus responsáveis legais, os quais invocam a religião como fato impeditivo do tratamento.

Na tentativa de se evitarem outras ocorrências semelhantes e para que preciosas vidas humanas deixem de ser desnecessariamente ceifadas, analisemos o tema sob o aspecto jurídico.

Em primeiro lugar, há que se analisar se a liberdade religiosa, assegurada pela constituição Federal de 1988, está ou não sujeita a certos limites no campo do Direito, face ao seu art. 5º, inciso VI, que diz: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos”.

O campo religioso, além de ser por excelência o das faculdades mais altas do ser humano, campo de realização dos anseios mais profundos da alma humana, é também espaço invadido por impostores, falsos profetas, que desnaturam esta atividade, movidos por toda a sorte de vícios.

O Estado não pode pois deixar de estar alerta para coibir estas falsas expressões de religiosidade. Esta há de estar adstrita sempre a dois requisitos essenciais: à boa-fé dos promotores do culto ou da seita; e também à exclusão de qualquer prática que, independentemente do seu pretenso caráter religioso, seria algo repugnável pela ordem jurídica.

Ora, quando os ensinamentos de uma seita religiosa provocam o sacrifício desnecessário de vidas humanas, estão sem dúvida a ferir os preceitos da ordem pública, devendo o Estado, por conseguinte, coibir tais abusos.

Vejamos, agora, o problema sob o aspecto jurídico-penal. O fato de omitir-se de aplicar uma transfusão de sangue ou qualquer outra intervenção intravenosa a uma pessoa enferma ou acidentada, que esteja correndo perigo de vida ou saúde, é crime, independentemente da crença de tal pessoa.

O delito de omissão de socorro vem assim descrito no art. 135 do Código Penal: “Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal,... à pessoa em grave e iminente perigo”.

A lei pune a simples omissão — independentemente de qualquer resultado — com detenção de 01 a 06 meses ou multa; se, no entanto, em razão da omissão, ocorrer lesão corporal grave, a pena é aumentada de metade, e é triplicada, se resultar a morte da vítima. O sujeito ativo de tal delito é aquele que tem o dever de prestar assistência (no caso em tela, é o médico).

Portanto, se uma pessoa pertencente a tal seita entrar em um hospital, estando em grave e iminente perigo de vida ou saúde, e o médico deixar de prestar-lhe assistência, responderá pelo crime de omissão de socorro, simples ou qualificado pela lesão corporal grave ou morte (conforme for o caso concreto), ainda que a pessoa ou seus parentes não queiram tal tratamento. É que, como já foi dito, a liberdade religiosa não pode ferir o direito à vida, que é de ordem pública.

Se o paciente for criança ou pessoa em estado de inconsciência (devido a um acidente, por exemplo) e os parentes de tal pessoa incentivarem, ou seja, induzirem o médico a omitir-se de efetuar a transfusão de sangue ou a aplicação de medicamentos por meio intravenoso e o profissional da medicina assim agir, eles (os parentes) responderão por participação no delito de omissão de socorro praticado pelo médico, nos termos do art. 29 do CP: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (os parentes, no exemplo dado, participam do crime por induzimento do omitente); e o médico responde pelo delito em si.

Mas, certamente, os profissionais da área médica se perguntarão: como solucionar o problema, face à lei penal? Seria o caso de se efetuar a transfusão de sangue no paciente, mesmo contra sua vontade ou de seu representante legal? A resposta é sim, desde que haja perigo de vida ou de saúde para o paciente.

Indagar-se-á, então: se o médico ministrar a transfusão de sangue ao paciente contra sua vontade, não estaria cometendo outro crime, isto é, o constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do CP, que consiste em constranger alguém a fazer o que a lei não manda? Não, pois o § 3º do art. 146 reza in verbis: “Não se compreende na disposição deste artigo: I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida”. Nesta hipótese, não há constrangimento ilegal. Face a este dispositivo, o médico deve agir da seguinte forma, nos casos abaixo elencados, sempre que houver iminente perigo de vida ou de saúde para o paciente e independentemente de qualquer outra providência (como pedir autorização judicial, etc.):

1) se o paciente se recusar a receber a o tratamento intravenoso, o médico deve aplicar-lhe um sedativo e ministrar-lhe o referido tratamento, mesmo contra sua vontade;

2) se o paciente estiver inconsciente ou tratar-se de uma criança e seus parentes ou representantes legais disserem que não desejam que se faça o tratamento, o médico deve fazê-la, mesmo contra a vontade deles;

3) se o paciente estiver inconsciente e desacompanhado, encontrando-se com ele uma carteira de identificação de membro da seita, em que se solicite o não tratamento intravenoso, o médico deve ir contra a presumível vontade do paciente.

Em suma: o médico deve agir, mesmo contra a vontade da vítima ou de seus parentes, e não se omitir, e estará acobertado pelo Direito Penal.

Embora o art. 146, § 3º, I, do CP se refira apenas a “iminente perigo de vida”, se existir iminente perigo de saúde para a vítima, há que se fazer in casu uma analogia, juridicamente chamada de “in bonam partem” em favor do médico, uma vez que são situações semelhantes.

Por outro lado, se não houver iminente perigo de vida ou saúde para a pessoa, então deve o médico respeitar o pensamento religioso de seu paciente (ainda que absurdo e errôneo).

Marcelo Eduardo Vanalli 

Julho/1998


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